sábado, 15 de agosto de 2009

Menina Flor. Parte I. Crônica por Edna Costa. 20/06/2008.

Era chamada de Florzinha, pois como diziam os pais, por ser muito magrinha e franzina parecia estar sempre murcha. Vivia numa família grande, sendo a caçula de sete filhos. Quando fazia alguma arte se encolhia num canto da casa, esperando pela bronca que vinha em forma de castigo, pois nas raras vezes em que apanhou, o pai ficou com medo de machucar a menina tão fraquinha. Assim foi crescendo, fazendo molecagem com os irmãos e irmãs. Aos treze anos de idade conheceu o Zé da bicicreta (assim mesmo: bi-ci-cre-ta).

O Zé andava lá pelos dezoito anos e era conhecido pelo apelido, por não largar sua “magrela” de jeito nenhum. Onde estava o Zé, estava a bike encostada do lado. Era uma boa pessoa, humilde, trabalhador e sem grandes ambições. Também vinha de família numerosa, mas ao contrário de Flor que era de família remediada, ele era muito pobre. Foi amor a primeira vista, de ambas as partes.

Os pais de Flor bem que tentaram convencê-la de que era muito jovem para assumir qualquer compromisso e que ela deveria terminar os estudos e ter mais maturidade para depois começar a namorar e sair com rapazes. Mas, quando a flecha do cupido entra em ação não tem jeito. Com eles não foi diferente, sem contar que naquele tempo casar muito jovem era comum.

As famílias, relutantes, concordaram com o namoro que virou noivado e depois casamento. Ela com quinze e ele com vinte anos, viraram marido e mulher. Depois de casada, apesar de continuar magrinha, Flor passou da palidez profunda a um leve cor rosada. Parecia ter criado novas forças no dia-a-dia, o que causava grande alegria aos pais.

O Zé também mudou. Com a ajuda dos sogros abriu um pequeno armazém, passou a trabalhar com afinco e em pouco tempo já colhia os frutos do esforço. Comprou um carro, mas continuou com o antigo apelido e não se importava com isso. Tinha verdadeira paixão pela nova vida que levava.


Antes de completar dezesseis anos, Flô, como ele a chamava, já esperava um filho. Nasceu um menino saudável, de parto normal, que ganhou o nome do pai. Mas eles tinham torcido tanto por uma menina que resolveram não esperar muito e tentar de novo. Flôrzinha tinha um filho a cada ano e foi enchendo a casa de meninos, sem abandonar a idéia de ter uma menina.

Quando já tinha sete filhos e estava grávida de novo, o marido foi com ela ao médico e sem que ela soubesse, combinaram para fazer uma cesariana durante a qual seria feito uma laqueadura para que ela não tivesse mais filhos. Afinal, a vida estava difícil com tanta boca para alimentar, sem contar outros gastos.

Apesar da estranheza de Flor, que sempre tivera menino em casa com parteira, o parto aconteceria no hospital, com a desculpa que ela tinha um pequeno cisto que seria retirado na hora que a criança nascesse. Era véspera de natal quando ela começou a sentir as primeiras dores. Foi levada às pressas para o hospital e assim que a criança nasceu o doutor deu a boa notícia; ela ganhara um presente de papai-noel (ou seria do papai do céu?); uma menina!

Ela e sua bonequinha só voltaram para casa perto do ano novo, mas suas recordações são de um natal maravilhoso passado dentro de um quarto de hospital, rodeada pelo marido, filhos e pela curiosidade das pessoas que trabalhavam ou estavam internadas lá. Afinal, era a mais jovem e a que tinha mais filhos na pequena cidade.Eles agora tinham a casa cheia de filhos!

Compraram uma perua Aero-Willys para transportar toda criançada, mas a bicicleta não foi totalmente abandonada. Era usada nos fins de tarde quando Zé pedalava até a beira do rio caudaloso, que corria mansamente de encontro ao mar. Ficava ali deitado na relva com um mato no canto da boca, matutando coisas que só ele sabia.

Mas, a vida nem sempre é um conto de fadas e brevemente vamos saber se foi a bruxa malvada ou a fada madrinha, quem escreveu o final da história da pequenina Flor e sua numerosa família.

MENINA FLOR. Parte II. Crônica por Edna Costa . 26/08/2008.

A vida seguia seu curso de encontro ao destino e a casa de Flor e Zé vivia sempre cheia de conversas e um inevitável entra e sai de filhos, pessoas e amigos. Entre esses haviam as numerosas comadres e compadres, todos escolhidos por motivos afetivos com os pais, como por exemplo os padrinhos do Jesus, que apesar do nome de santo era espevitado como ninguém.
Todos os meninos tinham os nomes começados com “J”. O primeiro foi Junior, o segundo João (em homenagem ao avô) e por aí seguiu, sendo que o caçula era o Jesus. Combinaram que quando nascesse a sonhada menina, nada mais justo que o nome fosse escolhido pela mãe. A pequenina chamava-se Maria Flor, numa referência ao apelido da mãe.
A madrinha de Jesus era uma das melhores amigas de Flor e vivia mais na casa dos compadres do que na dela, que era bem ao lado. Gorete, que não tinha filhos, era alegre, palpiteira e com frequência cutucava a comadre para cuidar mais do compadre e deixar um pouco as crianças, de lado.
Flor se incomodava um pouco pela comadre dar esse tipo de palpite. Ela se virava como podia para dar conta das crianças e da casa, pois apesar de ter uma pessoa que a ajudava no dia-a-dia e tudo ser sempre uma grande canseira, achava que dava conta do recado direitinho.
O tempo passando, a caçulinha com quase dois anos até que um dia Flor começou a notar o Zé com ar distante e distraído. Pegava a bicicleta com mais frequência para ir olhar a correnteza do rio e quando falava com ele era sempre aquele susto, como se estivesse a léguas dali. Cisma minha, pensava ela sempre aterefada demais para perder tempo com bobagens.
Quando passou aquele dezembro de festas de natal e comemoração do aniversário da florzinha, Zé chamou Flor e disse simplesmente que iria embora com outra. E, quem era essa pessoa? Parecia impossível, mas a outra era a comadre Gorete! Foi uma raiva tamanha, que Flor pensou que fosse explodir.
Passado esse momento de estupor, ligou para a a mãe contando tudo e perguntando o que iria fazer da vida. Depois de alguns minutos da tensa conversa, a mãe pediu que lhe desse algum tempo para pensar numa solução, disse que se acalmasse e que ligaria tão logo tivesse a resposta para ajudá-la.
Acalmar-se? Sentia-se uma pessoa feliz e realizada, mas isso fora mudado em apenas alguns minutos transportando-a para o centro de um furacão. Onde tinha errado? (Porque que será que as mulheres sempre acham que o erro é delas?). Afundou no grande sofá da sala e ficou fitando o teto com o olhar perdido, enquanto as lágrimas rolavam quentes e abundantes por suas faces, que agora tinham uma cor cinzenta. Sentia-se fraca e pela primeira vez na vida, não sabia o que fazer.
Cenas da sua vida foram passando lentamente diante de seus olhos. Nesses momentos via Zé como mocinho e não vilão. Pai amoroso, amigo, alegre e responsável era o que lembrava. Como ele podia chegar e simplesmente dizer que ia embora? É verdade que acabara o amor impetuoso de ambos, mas no lugar ficara o amor feito de companheirismo, compreensão, amizade e momentos de pura ternura, construídos ao longo de anos de convivência.
Imaginava o futuro como um revolto mar de águas escuras e bravias, avançando com fúria de encontro a seu sereno porto seguro. Olhava constantemente para o telefone e tinha ímpetos de ligar novamente para a mãe, nesse momento seu único refúgio e amparo. Respirou fundo e aguardou.

MENINA FLOR. Final. Crônica por Edna Costa. 20/06/2008.

MENINA FLOR. Final. Crônica por Edna Costa. 02.01.2009.
Quando o telefone tocou, Flor pulou do sofá como se uma mola invisível a tivesse impulsionado. A voz trêmula saiu como um lamento numa noite escura e fria, enquanto as lágrimas começaram novamente a brotar. Sua mãe acalmou-a dando instruções de como deveria agir.
Apesar das incertezas, desligou o telefone e começou a arrumar uma pequena mala com alguns poucos pertences seus e de Maria Flor. Não precisou esperar muito pela chegada do Zé, que entrou cabisbaixo e calado.
Ela então pegou a menina, a mala e disse que estava indo embora para que ele pudesse ficar com a comadre, os filhos e tudo o mais que tinham. Ele a olhava incrédulo sem saber o que fazer ou dizer. Flor agiu rápido dizendo que ligaria para combinarem as visitas dos filhos e outros detalhes e saiu batendo a porta.
Chegou na casa da mãe com o coração aos pedaços e a esperança de que tudo que ela lhe dissera se concretizasse. O Zé, apesar das dúvidas que lhe atrapalhava os pensamentos foi buscar Gorete e pediu que viesse com ele para começarem uma nova vida, juntos e felizes.
Passado algum tempo os dois já discutiam por qualquer coisa e Gorete estava arrependida de ter aceitado vir tomar conta de todos, pois o trabalho era estafante e os meninos faziam de tudo para infernizar a vida dela. A empregada tambem não colaborava e a convivência de todos estava ficando tensa.
Depois de três meses brigaram feio! Gorete disse que não gostava dele o suficiente para encarar aquela barra e que tudo havia sido um enorme engano. Ela partiu e ele ficou na porta relembrando a mesma cena, só que com Flor. Ah, se a gente pudesse voltar atrás e não errar e nem sofrer, pensou com amargura.
Dias depois ligou para Flor e disse estar arrependido. Queria que ela voltasse para casa e o perdoasse por tudo o que havia feito. Fez mil promessas e, plagiando a música do Roberto, disse que dali pra frente tudo seria diferente.

Pronto! Tudo acontecia conforme sua sábia mãe tinha previsto. Flor prometeu que iria pensar a respeito e desligou o telefone exultante. Deixou passar dois dias, ligou para o Zé e disse para ele ficar no portão da casa com os filhos que ela iria chegar por volta das oito horas da noite.
Quando a viu chegando, Zé não escondeu sua alegria. Flor começou a falar em tom muito alto, o que atraiu os vizinhos para fora de suas casas. Era exatamente o que ela queria e então pediu para o marido repetir na frente de todos, as promessas que havia feito pelo telefone e como forma de “selar” tudo isso exigiu que ele se ajoelhasse e pedisse perdão, no que foi atendida prontamente.
A partir daquele dia o Zé voltou a ser o pai, marido e amigo que sempre fora. Os filhos foram casando, os netos chegando e os anos desfilando dias tranquilos, que lembravam o rio caudaloso que corria mansamente para o mar.
Há alguns anos atrás o Zé saiu para pedalar e foi atropelado por um motorista bebado. Partiu naquele momento, deixando Flor e os filhos inconsoláveis e com a certeza de que a vida nunca mais seria a mesma sem a presença dele.
Em dias de saudades, Flor senta-se na velha cadeira de balanço, na varanda, fecha os olhos e ainda parece ver o Zé chegando das bandas do rio em sua querida magrela, assobiando feliz e despreocupado.
Final. Crônica por Edna Costa. 02.01.2009.
Quando o telefone tocou, Flor pulou do sofá como se uma mola invisível a tivesse impulsionado. A voz trêmula saiu como um lamento numa noite escura e fria, enquanto as lágrimas começaram novamente a brotar. Sua mãe acalmou-a dando instruções de como deveria agir.
Apesar das incertezas, desligou o telefone e começou a arrumar uma pequena mala com alguns poucos pertences seus e de Maria Flor. Não precisou esperar muito pela chegada do Zé, que entrou cabisbaixo e calado.
Ela então pegou a menina, a mala e disse que estava indo embora para que ele pudesse ficar com a comadre, os filhos e tudo o mais que tinham. Ele a olhava incrédulo sem saber o que fazer ou dizer. Flor agiu rápido dizendo que ligaria para combinarem as visitas dos filhos e outros detalhes e saiu batendo a porta.
Chegou na casa da mãe com o coração aos pedaços e a esperança de que tudo que ela lhe dissera se concretizasse. O Zé, apesar das dúvidas que lhe atrapalhava os pensamentos foi buscar Gorete e pediu que viesse com ele para começarem uma nova vida, juntos e felizes.
Passado algum tempo os dois já discutiam por qualquer coisa e Gorete estava arrependida de ter aceitado vir tomar conta de todos, pois o trabalho era estafante e os meninos faziam de tudo para infernizar a vida dela. A empregada tambem não colaborava e a convivência de todos estava ficando tensa.
Depois de três meses brigaram feio! Gorete disse que não gostava dele o suficiente para encarar aquela barra e que tudo havia sido um enorme engano. Ela partiu e ele ficou na porta relembrando a mesma cena, só que com Flor. Ah, se a gente pudesse voltar atrás e não errar e nem sofrer, pensou com amargura.
Dias depois ligou para Flor e disse estar arrependido. Queria que ela voltasse para casa e o perdoasse por tudo o que havia feito. Fez mil promessas e, plagiando a música do Roberto, disse que dali pra frente tudo seria diferente.

Pronto! Tudo acontecia conforme sua sábia mãe tinha previsto. Flor prometeu que iria pensar a respeito e desligou o telefone exultante. Deixou passar dois dias, ligou para o Zé e disse para ele ficar no portão da casa com os filhos que ela iria chegar por volta das oito horas da noite.
Quando a viu chegando, Zé não escondeu sua alegria. Flor começou a falar em tom muito alto, o que atraiu os vizinhos para fora de suas casas. Era exatamente o que ela queria e então pediu para o marido repetir na frente de todos, as promessas que havia feito pelo telefone e como forma de “selar” tudo isso exigiu que ele se ajoelhasse e pedisse perdão, no que foi atendida prontamente.
A partir daquele dia o Zé voltou a ser o pai, marido e amigo que sempre fora. Os filhos foram casando, os netos chegando e os anos desfilando dias tranquilos, que lembravam o rio caudaloso que corria mansamente para o mar.
Há alguns anos atrás o Zé saiu para pedalar e foi atropelado por um motorista bebado. Partiu naquele momento, deixando Flor e os filhos inconsoláveis e com a certeza de que a vida nunca mais seria a mesma sem a presença dele.
Em dias de saudades, Flor senta-se na velha cadeira de balanço, na varanda, fecha os olhos e ainda parece ver o Zé chegando das bandas do rio em sua querida magrela, assobiando feliz e despreocupado.