segunda-feira, 17 de março de 2008

INOCÊNCIA. Crônica por Edna Costa. 01.08.2004.

Houve uma época em que minha família morava nos fundos de uma igreja evangélica. No fim-de-semana eu e meus irmãos íamos a escola dominical e à noite ficávamos em casa, enquanto meus pais assistiam o culto. Meu pai era um crente daqueles que não admitia deslizes, mas para seu desgosto, eu era a filha diferente que gostava de fazer palhaçadas.

Minha mãe tinha uma prima rica, que todo final de ano nos mandava caixas de roupas, sapatos e brinquedos com pouco uso, que era uma benção para nós. Naquele fim de ano não foi diferente; mas, dessa vez, veio junto uma caixa misteriosa. Meu pai viu o que continha, olhou para minha mãe, de cara feia, fechou-a novamente e colocou-a no fundo do guarda-roupas, nos proibindo de ver ou tocar na tal caixa, mas a partir daquele dia, ela não saiu mais dos meus pensamentos e sonhos.

Certo domingo, quando todos estavam no culto, resolvi matar minha curiosidade. Tinha muita coisa linda naquela caixa, mas me encantei mesmo com a fantasia de fada: toda verde de cetim e com lindas estrelas prateadas. O chapéu era um cone, com uma pequenina estrela presa por uma mola bem fininha, que balançava graciosamente. Não resisti e vesti a roupa, o sapato de salto muito alto e o chapéu, tudo muito acima do meu tamanho. Olhei-me no espelho e achando que estava linda, resolvi ir para a igreja para que todo mundo me visse também. Meus irmãos ficaram histéricos e bem que tentaram me segurar de qualquer maneira, mas eu estava decidida.

Abri a porta da igreja e entrei exatamente na hora das orações e daquela gritaria que me assustava e que eu não entendia direito. Caminhei segurando aquele vestido imenso, tentando me equilibrar nos saltos até algumas fileiras de cadeiras vazias, onde ,vupt…escorreguei! Na queda fui levando as cadeiras junto comigo e assustada, comecei a gritar. Tudo parou e todos olhavam aquela figurinha bizarra esparramada no chão, com a estrela do chapéu balançando de um lado para o outro bem em frente ao nariz.

Meus irmãos ficaram parados na entrada, com as bocas escancaradas tanto quanto a porta. Todo mundo começou a rir, menos meu pai, que me levantou pela orelha e sem dó, me aplicou uma bela surra. Fiquei de castigo, com a traseira dolorida por alguns dias e ele deu sumiço na caixa, com tudo que tinha dentro. Mas vou confessar uma coisa: ninguém foi tão feliz como fada e nem brilhou mais que minha estrela naquele dia inesquecível!